Parque da Sustentabilidade

A concepção das zonas verdes urbanas evoluiu, desde o Jardim Romântico, de origem francesa, geométrico e bem delimitado, ao Parque Verde, de influência anglo-saxónica, que busca o mimetismo da natureza, ao actual conceito de Estrutura Ecológica Urbana, herdeiro do de continuum naturale, que ambiciona penetrar e atravessar a Cidade.

Este conceito de Estrutura Ecológica apresenta um enorme potencial, não apenas numa perspectiva ambiental, mas também para a estruturação, a organização funcional e o desenho das Áreas Urbanas. Para tal, não poderá ocorrer nas traseiras dos edifícios ou em locais dificilmente acessíveis. Terá que associar-se a percursos, especialmente pedonais e cicláveis e deverá confrontar-se com frente edificada, que inclua equipamentos, comércio, restauração. Necessita de ser acessível e perceptível, para que faça parte do mapa mental do homem urbano relativo ao seu habitat. E necessita de ser marginado por funções diversas, para que seja usado e animado e para que ofereça boas condições de segurança.

Esta reflexão vem a propósito de um projecto recente, da Câmara de Aveiro, denominado Parque da Sustentabilidade.

Antes de o comentar, vale a pena referir a situação actual, de enorme potencial, insuficientemente aproveitado:

- o velho jardim público, Parque Infante D. Pedro, jardim romântico com muito valor de uso e patrimonial;

- a noroeste, atravessando a Avenida Artur Ravara, a zona verde pública da Baixa de Santo António, com qualidade, mas enquadrada por traseiras;

- contíguo a esta, o Cais dos Moliceiros que nos conduz ao espaço natural da Ria e ao desafio de a aproveitar para um uso lúdico;

- na outra direcção, a partir do Parque D. Pedro, oportunidade para o prolongar, um interior de quarteirão de dimensão significativa quase livre de edificação;

- na continuidade, do outro lado da Rua dos Bombeiros Velhos, a zona verde do Bairro de Santiago, também esta muto interiorizada, pouco convidativa.

Esta realidade pode ser observada facilmente através de fotografia aérea, mas talvez não seja perceptível à generalidade dos cidadãos, exactamente porque estes espaços não estão organizados em continuidade, estão segregados entre si.

O grande desafio, a grande oportunidade para a Cidade, é justamente o de estabelecer essa continuidade, criando um eixo ecológico, de lazer e de mobilidade pedonal, polarizador de pessoas e de actividades, complementado por atravessamentos transversais.

Analisado o desenho que existe para o local, verifica-se que não só não responde suficientemente a esse desafio como até, se concretizado, iria comprometer gravemente o potencial existente, especialmente porque:

- entre o Parque D. Pedro e a Baixa de Santo António está prevista edificação que impediria uma relação franca entre as duas áreas;

- entre a Baixa de Santo António e o Cais dos Moliceiros está previsto edifício que impediria a relação visual e, portanto, a perceptibilidade do contínuo ambiental;

- o pequeno espaço ainda disponível na Rua das Pombas, que permitiria a ligação à zona verde do Bairro de Santiago, seria destinado a via automóvel, anulando essa possibilidade.

Tive oportunidade de manifestar esta visão, preocupada, a serviços da Câmara Municipal e apraz-me dizer que ela foi registada com atenção, talvez até com concordância, tendo sido encarada a hipótese de eventuais correcções. É justo referir que, nalguns casos, as correcções poderão não ser fáceis, exigem o rompimento com expectativas e até indemnização perante direito adquirido. Mas a verdade é que são possíveis e absolutamente indispensáveis.

Compete-nos insistir com a Câmara, apoiá-la no caminho da criação de um contínuo verde que mereça o nome de Parque da Sustentabilidade, contribuindo significativamente para a melhoria da qualidade de vida urbana e reforçando a afirmação da Cidade de Aveiro.

Jorge Carvalho

Professor Universitário - Universidade de Aveiro

Grupo Aveirílhavo - Plataforma Cidades