Preliminares do Parque da Sustentabilidade na Baixa de Santo António

Escrevi há uns dois ou três anos um pequeno texto, que o Diário de Aveiro acedeu em publicar, intitulado “Ser árvore na Baixa de Santo António”. Aí referia a minha perplexidade perante o abate brutal de uma boa parte das árvores que emolduravam o lado poente do parque da Baixa de Santo António. Sem se perceber bem qual o motivo ponderoso que a tal medida havia obrigado a Câmara Municipal de Aveiro, uma vez que tais árvores estavam em perfeita condição, o que é certo é que muitas sucumbiram às moto serras que sobre elas se exerceram sem dó nem piedade, mau grado a profunda contrariedade daqueles que estavam incumbidos de o fazer, sensíveis ao atentado em que viam obrigados a colaborar. Algumas restaram ainda de pé, mas indelevelmente marcadas para um abate que se adivinha eminente, mais perto da zona envolvente da Capelinha dos Santos Mártires.
Vem isto a propósito dos preliminares já em marcha, nos mesmos jardins, com vista ao grandioso projecto do chamado Parque da sustentabilidade.
Desde há alguns dias, que quem por aí passa deve ter ficado surpreendido com a profunda metamorfose que o parque (podermos ainda chamar-lhe jardim?) tem vindo a sofrer.
Vamos por partes: comecemos pelos lagos. De baixa profundidade, é certo, palco de inúmeros entupimentos ou de transbordos que tornaram os caminhos adjacentes ainda mais difíceis de atravessar, ao longo do Inverno, vasto caixote do lixo para onde alguns teimam em despejar todo o tipo de resíduos, ignorando os caixotes que para o efeito existem no local, quando não os próprios caixotes, os lagos conheceram porém bastantes dias de tranquilidade, logo aproveitada por aves migratórias ou pelos bonitos patos que se foram sedentarizando por cá, familiares a todos quantos por aí passam regularmente. Era um gosto vê-los, seguidos pelos filhotes das recentes ninhadas, tal como era um gosto ouvir as rãs que nos anunciavam a proximidade do Verão. Porém, quase de um dia para o outro, os lagos transformaram-se num vasto tanque vazio, de uma parte e, de outra, num tapete musgoso, semeado de destroços variados, pondo a nu a falta de civismo de muitos que por ali foram passando e deixaram a sua marca, à medida que perdiam muitos objectos pessoais, ou faziam pontaria com outros, nos saltos simiescos com que se deleitavam madrugada fora, ao som de gargalhadas insanas, ao atravessarem a ponte suspensa de madeira que aí se encontra.
Vejamos agora os relvados e a vegetação que resta. Dos primeiros, pouco haverá a dizer, se não que se transformaram em erva dura, ressequida por uma falta de rega crónica, ou em terra batida, em resultado do alargamento dos caminhos pedonais pelos próprios passantes, na procura de um terreno menos esburacado para poderem prosseguir o seu caminho sem entorses de maior. Os relvados quase desapareceram, e os caminhos originais também. Da vegetação, constatamos que a base dos troncos das árvores decepadas lá está, como prova do crime ambiental, tal como lá estão alguns arbustos informes, algumas árvores que a natureza menos brindou, tudo numa convivência caótica, à mistura com ervas que crescem por onde lhes apraz, lixo q.b., e alguns pinheiros que nos oferecem ainda alguma sombra e bom ar. Para não mencionar duas promissoras araucárias, sucessivamente doadas por particulares, mas infelizmente plantadas no mesmo sítio, com a ajuda da Câmara Municipal, que bem cedo se esqueceu porém de as mandar regar, como convém às plantas jovens.
E que dizer dos campos de jogos que em boa hora existiram no parque? Deles não restam mais do que as bases de cimento, qual ruína que se adivinha entre ervas daninhas.
Ora é neste cenário infeliz que já há algum tempo atrás, aqueles que por ali passam, se foram deparando com movimentos inusitados de carrinhas várias, transportando o necessário para grandes festividades!
Com toda a intensidade desde o último fim-de-semana, deparam-se os aveirenses que por azar, aí residem, por aí passam, ou que tiveram a infeliz ideia de para aí vir passear, com os preliminares do futuro e tão apregoado Parque da Sustentablidade: barracas de cerveja Super Bock em profusão, um bonito estandarte da mesma cerveja no meio do pretérito relvado e um écran gigante no topo do parque, a debitar um nível de decibéis suficiente para ensurdecer ou enlouquecer qualquer um. E tudo isto para quê?! Para as transmissões da RTP, dos seus anúncios publicitários, da música que transmite, ou de outra que alguém vai colocando repetidamente para preencher os espaços livres, do Mundial, para os intervalos publicitários, para os jogos de futsal….enfim, para o que calha no momento. E o que calha é também o que daí resulta, espalhado por tudo quanto é sítio: garrafas vazias de vidro ou de plástico, copos, latas, papéis, plásticos, etc., para não falar nos improvisos humanos. À mistura, aí forma colocados insufláveis para as crianças brincarem (de aplaudir, não fora o estonteante fundo sonoro das vuvuzelas que os enquadram na paisagem degradada do Mundial). Pergunta-se: Por quê isto? Para quem? Quem pediu? A quem serve? O que se espera daqui em diante?
O que até agora era uma zona sossegada de Aveiro, de habitação, lazer, desporto, e passagem para o Hospital, Conservatório, Universidade, ou de fácil acesso ao centro da cidade, atravessada por centenas de pessoas – um espaço nobre que é e porque é de todos –, está a transformar-se numa zona de marginalidade. De uma forma perversa de marginalidade, que se traduz na marginalização dos próprios munícipes!
Resta-nos ter confiança na Câmara Municipal de Aveiro, e que tudo isto não passe de um brevíssimo momento preliminar (que desejamos ver apagado do nosso olhar e ouvidos) para um Parque da sustentabilidade que todos desejamos verdadeiramente sustentável, a fazer jus à qualidade de vida na nossa cidade, enaltecida por tantos que nos visitam, factor determinante da sua capacidade de atracção e desenvolvimento. Um parque verde, com árvores frondosas, relvados bem cuidados, caminhos definidos, que sirva em plenitude as múltiplas funcionalidades para as quais foi projectado, desde o lazer, à passagem para outros locais da cidade, ao estudo, à convivialidade de famílias, juniores e seniores, encanto de turistas. Um parque que preserve uma das maiores qualidades de cidades de referência europeias, ciosas do valor do SILÊNCIO, como bem fundamental ao bem-estar psíquico, individual e social dos seres humanos, também eles parte da natureza que urge proteger, mas que às vezes dessa condição parecem esquecer-se.

Maria Hermínia Amado Laurel
Prof.ª Universitária